DE 15 A 25 DE ABRIL

Toda a palavra ou enunciado são precedidos por uma voz silenciosa, por um sonho acordado repleto de imagens e de pensamentos difusos sempre actuantes no nosso íntimo. Mistura de fantasmas e de pensamentos claros, de lembranças ou desejos, essa voz enfeita a linguagem e fornece-lhe, ao mesmo tempo, o seu terreno fértil. Este mundo caótico e silencioso que nunca se cala é a nossa vida interior. As formulações que daí emergem podem depois ser esmagadas logo à nascença. As ditaduras, na essência ou nas margens dos regimes políticos, ou como doença viral em relacionamentos pessoais, tendem a calar o indivíduo. A modernidade, por outro lado, leva a mal o silêncio. A palavra sem fim e sem réplica prolifera em detrimento da palavra renascente da comunicação quotidiana com os nossos próximos. Falamos da palavra que muda de estatuto antropológico: sai da ordem da conversa, entra no domínio dos media, das redes, dos telemóveis. Philippe Breton falava do paradoxo de uma sociedade “altamente comunicante e fracamente coincidente”.

Se alargarmos a geografia das nossas reflexões, veremos também que Ocidente e Oriente assumem estratégias distintas de significação do silêncio e da palavra. Falemos então de silêncios - os que crescem connosco, os que estranhamos, os que quebramos.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Oficinas Sem Mestre (re)constroem uma manta de silêncios

As Oficinas Sem Mestre são um lugar que lugar nasceu para nos encontrarmos. Dizemos que é uma oficina, um "local onde se operam grandes transformações"... Começámos por reflectir sobre saúde mental. Inicialmente, juntaram-se alguns psicólogos e professores com todas as suas perplexidades, inquietações, intuições e ideias. Depois, foi chamada à pedra gente de outras artes e ofícios e a manta encheu-se de literatura, teatro, música, psicanálise, direito, sociologia, educação… A nossa matéria-prima manteve-se inalterada: pensar a saúde mental de todas as maneiras. Mas crescemos com a troca de saberes. Ao longo do tempo, nas Oficinas Sem Mestre, discutimos a institucionalização de jovens em Portugal, a relação entre a criança em sofrimento e a sua rede de relações, as boas práticas de intervenção no terreno; a importância dos contos tradicionais na estruturação da personalidade; a importância da expressão artística como forma de elaboração de narrativas pessoais; a diferença entre os silêncios que marginalizam e os que fazem crescer... Nos últimos anos, decidimos alargar o nosso espaço. Transbordámos até à cidade, Aveiro, e já trocámos saberes para além das muralhas imaginárias. Em Outubro, de braço dado com a editora Alma Azul, embarcámos no Festival «A Língua Toda». Agora lançamos «Silêncio», um evento em que, ao longo de duas semanas, nos propomos revelar a ambiguidade do conceito e, preferencialmente, ajudar a descodificar os múltiplos sentidos que este pode assumir. No total, teremos cinco painéis compostos por personalidades que se distinguiram nas suas diversas áreas. Da semiótica (Prof. Adriana Baptista) à literatura (Prof. Isabel Cristina Rodrigues e Prof. Paulo Pereira), do cinema (Dra. Paula Soares) à música (compositor Ricardo Ribeiro), do jornalismo (Diana Andringa) à escrita (Isabel Cristina Pires, Isabela Figueiredo), da teologia (José Tolentino Mendonça) ao Direito (Mestre Ana Campos Cruz), do teatro (António Morais) à matemática (Prof. David Vieira), da geofísica (Prof. Fernando Almeida) à fotografia (Mariana de Almeida), percorreremos diferentes olhares sobre o silêncio. Centrados na mesma temática, teremos ainda sessões de cinema, exposições, wokshops, perfomances, recitais de poesia.
Etimologicamente o silêncio pode ser considerado sob duas formas: (1) tacere – é um verbo activo, significa “calar-se”; (2) silere – é um verbo intransitivo, significa “estar em silêncio” e remete para espaços, para a ausência de movimento e de ruído. John Cage diz que a dimensão do silere é mais virtual do que real, ou seja, que o silêncio não é o estado natural. Segundo Cage, podemos perceber a música do mundo se activarmos uma forma especial de escuta. A nossa manta, nestas duas semanas de Abril, tecida em parceria com convidados e público, nascerá dessa escuta. É uma manta que vai também tentar desconstruir as várias formas de tacere. O silêncio verbal subentende sempre uma batalha interior; no limite, pode tornar-se uma espécie de negação à condição social de cidadania. O exercício da fala está ligado ao problema do poder, do direito à palavra, nas nossas relações de proximidade ou na sociedade global. Evocar o silêncio é pois, também, evocar narrativas e identidades. É recolher estórias perdidas e reflectir sobre como se conta a História. Como dizia o poeta, “entre nós e as palavras, o nosso dever falar”, verso que ganha mais sentido com a proximidade das comemorações do 25 de Abril. Até lá, contudo, propomos «Silêncio». Sente-se na nossas oficinas de labores, por estes dias instaladas no Performas, no Mercado Negro e no Teatro Aveirense, e teça a manta de s-i-l-ê-n-c-i-o-s.

[Texto publicado no CLIP, suplemento cultural do DA, a 8 de Abril]

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