DE 15 A 25 DE ABRIL

Toda a palavra ou enunciado são precedidos por uma voz silenciosa, por um sonho acordado repleto de imagens e de pensamentos difusos sempre actuantes no nosso íntimo. Mistura de fantasmas e de pensamentos claros, de lembranças ou desejos, essa voz enfeita a linguagem e fornece-lhe, ao mesmo tempo, o seu terreno fértil. Este mundo caótico e silencioso que nunca se cala é a nossa vida interior. As formulações que daí emergem podem depois ser esmagadas logo à nascença. As ditaduras, na essência ou nas margens dos regimes políticos, ou como doença viral em relacionamentos pessoais, tendem a calar o indivíduo. A modernidade, por outro lado, leva a mal o silêncio. A palavra sem fim e sem réplica prolifera em detrimento da palavra renascente da comunicação quotidiana com os nossos próximos. Falamos da palavra que muda de estatuto antropológico: sai da ordem da conversa, entra no domínio dos media, das redes, dos telemóveis. Philippe Breton falava do paradoxo de uma sociedade “altamente comunicante e fracamente coincidente”.

Se alargarmos a geografia das nossas reflexões, veremos também que Ocidente e Oriente assumem estratégias distintas de significação do silêncio e da palavra. Falemos então de silêncios - os que crescem connosco, os que estranhamos, os que quebramos.

sábado, 17 de abril de 2010

Isabel Cristina Pires

O NOME DA ROSA

No início era algo
que não tinha nome.

Teve de desabrochar e ficar nua,
e inventar o silêncio do esplendor
que só depois foi escarlate;
e desvendar outra coisa sem baptismo
que só depois foi perfume.

Nada tinha nome até nascer a rosa.


ESCRITA

A escrita faz do silêncio
uma planície amarela:
a cor
cumpre o seu fado de monstro
poisando nas palavras


in Isabel Cristina Pires (2007). Deserto Pintado. Lisboa: Caminho.

A ESCRITORA, HOJE, EM AVEIRO, NO PERFORMAS - PAINEL "SILÊNCIO NA LITERATURA", 22H

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