DE 15 A 25 DE ABRIL

Toda a palavra ou enunciado são precedidos por uma voz silenciosa, por um sonho acordado repleto de imagens e de pensamentos difusos sempre actuantes no nosso íntimo. Mistura de fantasmas e de pensamentos claros, de lembranças ou desejos, essa voz enfeita a linguagem e fornece-lhe, ao mesmo tempo, o seu terreno fértil. Este mundo caótico e silencioso que nunca se cala é a nossa vida interior. As formulações que daí emergem podem depois ser esmagadas logo à nascença. As ditaduras, na essência ou nas margens dos regimes políticos, ou como doença viral em relacionamentos pessoais, tendem a calar o indivíduo. A modernidade, por outro lado, leva a mal o silêncio. A palavra sem fim e sem réplica prolifera em detrimento da palavra renascente da comunicação quotidiana com os nossos próximos. Falamos da palavra que muda de estatuto antropológico: sai da ordem da conversa, entra no domínio dos media, das redes, dos telemóveis. Philippe Breton falava do paradoxo de uma sociedade “altamente comunicante e fracamente coincidente”.

Se alargarmos a geografia das nossas reflexões, veremos também que Ocidente e Oriente assumem estratégias distintas de significação do silêncio e da palavra. Falemos então de silêncios - os que crescem connosco, os que estranhamos, os que quebramos.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Silêncio, por António Ramos Rosa

A Festa do Silêncio

Escuto na palavra a festa do silêncio.

Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.

As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.

Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.

É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,

o ar prolonga. A brancura é o caminho.

Surpresa e não surpresa: a simples respiração.

Relações, variações, nada mais. Nada se cria.

Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.

Nada é inacessível no silêncio ou no poema.

É aqui a abóbada transparente, o vento principia.

No centro do dia há uma fonte de água clara.

Se digo árvore a árvore em mim respira.

Vivo na delícia nua da inocência aberta.



António Ramos Rosa, in "Volante Verde"

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